quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Faltam candidaturas para enfrentar a crise em Salvador

As eleições em Salvador


O cientista político Paulo Fábio Dantas faz um alerta: até o momento, faltam nomes dispostos a discutir e resolver os problemas de Salvador. “A população está pedindo uma candidatura que tenha condição de assumir uma posição de oposição clara ao governo municipal, capaz de reunir e aglutinar o sentimento de insatisfação com o atual comando da cidade”. 

Para ele, será difícil as oposições construírem uma candidatura única em 2012. Nesta entrevista à TB, oespecialista critica ainda a antecipação da disputa de 2014 e a imposição de estratégia que a sucessão estadual faz na disputa municipal.


Tribuna – O senhor acredita que as oposições vão conseguir construir uma candidatura única em Salvador?
Paulo Fábio Dantas – Vamos ver o que é que você está chamando de oposições.
Tribuna – O DEM, PMDB, PSDB, PR...
Dantas – Esse próprio modo de agrupar já indica a lógica da política estadual colonizando a política municipal. O PT estará junto com João Henrique (PP), já que o prefeito faz parte de um partido da base governista. De certa forma, a política do governador do estado, que é uma política de construir esse arco que pouco falta para a unanimidade na Assembleia Legislativa, é compreensível do ponto de vista do objetivo de manter o poder estadual. Mas essa lógica é devastadora e perniciosa em relação à política do município. Porque se a política do PT for esta, isso significará que este e outros partidos terão que abrir mão de uma posição crítica, de uma posição alternativa a esse estado calamitoso em que se encontra a administração local. O virtual candidato do PT Nelson Pelegrino já chegou a admitir numa entrevista que é isso mesmo. Se for o caso, eleição não é hora de ficar discutindo se João Henrique é isso ou aquilo. Isso desorienta a opinião pública.

Tribuna – Mas a oposição marchará unida contra João Henrique?
Dantas - Considerando que oposição seria DEM, PSDB, PMDB, PR e os partidos menores... Veja o que já é um contrasenso. Se você considerar oposição o DEM, que teve e tem ainda participação na segunda gestão de João Henrique. O PMDB, que saiu do governo, mas foi grande partido responsável pela reeleição do prefeito. O PSDB, tudo bem. O ex-prefeito Antonio Imbassahy foi um dos candidatos derrotados em 2008. Com exceção do PSDB, os outros partidos terão que fazer uma certa peripécia política para se apresentarem como oposição à gestão de João Henrique. Agora, são oposição a quem? Ao governo do estado. Em nome disso, pergunta-se: é possível construir uma aliança entre esses partidos? É um caminho difícil. Difícil porque o PMDB foi buscar o nome de um ex-prefeito que hoje é uma figura destacada no radialismo baiano. A possível candidatura de Mário Kertész pode ter um fator que eu considero positivo que é o de pautar os assuntos da cidade.

Tribuna – O senhor acredita que a candidatura de Mário é para valer?
Dantas – Não sei. Não sou adivinho. O que eu estou achando é que ele está medindo a possibilidade de ser candidato ou não de acordo com a possibilidade de realizar essa aliança. Acho complicado o caminho de Imbassahy numa aliança com Mário, pois o conflito entre os dois aconteceu num passado recente, difícil de contornar. Além disso, o PSDB é um partido na Bahia que tem pontes de entendimento com o governo do estado, sempre teve. É oposição em nível nacional. O governo, se quiser, tem mecanismos para fazer acenos. Não de apoio, mas no sentido de que anime a candidatura do PSDB e dificulte essa aliança completa. Imagino que a essa altura o que ele esteja fazendo é trabalhando nessa linha, mandando recados de que a candidatura pode ter, senão apoio, pelo menos uma atitude do governador como a que teve na última eleição. Eu lembro que Imbassahy apoiou Pinheiro no segundo turno. Acho que essa é uma dificuldade política para essa aliança se formar. Agora, eu acho que as dificuldades no campo governista não são menores para uma candidatura unificada, como Pelegrino imagina que vai ser.

Tribuna – A candidatura de Pelegrino não decola. Por que essa dificuldade, mesmo com tanta movimentação do PT?
Dantas – Eu acho que Pelegrino joga errado há muito tempo. Ele imagina que quanto mais fizer o jogo do governador, mais facilmente terá o apoio generalizado de Wagner e de suas forças políticas. Acho que não é assim. Quanto mais ele faz isso, mais fica parecido com qualquer candidato da base e mais abre caminho para aquela ideia originária do governador de que, quanto mais pulverizada e mais candidatos da base, melhor. Mesmo que Imbassahy viesse a ganhar a eleição, isso não seria nenhuma tragédia para Wagner. Pelo contrário. Se Imbassahy vira prefeito, de repente o governo, como sabe que a prefeitura tem um grau de dependência enorme em relação ao estado, pode ampliar ainda mais o arco de alianças para sair da Bahia quase com a unanimidade. Aliado a isso, a única possibilidade de desembarque na candidatura de Pelegrino de todas as forças políticas seria uma intervenção direta do governador no sentido de bancar isso. Acho que Wagner não tende a fazer isso. Não tem a ver com sua política. Pelegrino perde tempo ao imaginar que se viabilizará por esse caminho.


Tribuna – O PT se fragiliza ao esquecer as marcas que sempre defendeu, se tornando tão ‘eclético’?
Dantas – O PT perde a cara em Salvador porque vive tutelado pela política estadual. A vereadora Marta Rodrigues, por exemplo, tenta fazer uma política de oposição, mas não consegue. Por que não consegue? Pelegrino não quer que ela faça, pois quer fazer o jogo que Wagner está bancando. O PT segura seus vereadores, insinua a possibilidade de ter João Henrique no palanque e o seu candidato aceita. Essa negociação agora para entrada do vereador Alcindo da Anunciação no PT é um sintoma do que está acontecendo. Pelegrino considerou que para sua estratégia era fundamental retirar a candidatura de Marcos Medrado (PDT). Medrado, como nós sabemos, há 20 anos é um eterno pré-candidato que negocia sua candidatura na reta final. O problema é que a ida de Alcindo vai colocar em xeque interesses que estão nas campanhas dos vereadores do PT. E ai Pelegrino vai e compra uma briga dessas dentro do partido. Consegue impor. Mas ele faz isso porque ele próprio não consegue impor o que poderia ser sua estratégia perante o estado, ao PT estadual. Então fica tolhido, é um candidato que tem seus passos tolhidos por uma política estadual.

Tribuna - E o que é que a cidade está pedindo?
Dantas – Está pedindo uma candidatura que tenha condição de assumir uma posição de oposição clara ao governo municipal, capaz de reunir e aglutinar o sentimento de insatisfação com o atual comando da prefeitura. E o PT não consegue fazer isso porque está preso nessa política. O PMDB tem dificuldade de fazer isso porque tem responsabilidade com a reeleição de João Henrique. Por isso vai buscar Mário Kertész, um nome de fora do partido, para fazer com que o eleitorado esqueça que foi o PMDB quem bancou essa reeleição. O DEM também tem problemas para ter uma postura de oposição clara. E agora o PCdoB, que é outro que tem tradição de negociar sua candidatura na reta final, está apresentando o nome de Alice Portugal, que parece estar com vontade de levar a coisa até mais longe. Sinceramente, eu não enxergo no cenário político de Salvador projetos de candidatura que tenham como foco o enfrentamento da crise da cidade, que é gravíssima. Faltam candidaturas para debelar a crise atual.

Tribuna - E o PSB, está fora desse processo?
Dantas - Temos uma ex-prefeita dentro da base que é a senadora Lídice da Mata, eleita com três milhões de votos, mas que também não faz. E por que não faz? Porque está aliançada com um esquema de governo cuja política não é essa e mesmo com um mandato de oito anos pela frente, o PSB não se dispõe a contestar essa política que é traçada pelo governo estadual.

Tribuna – Há risco de Pelegrino não se viabilizar e Pinheiro ser chamado para disputar 2012?
Dantas – Eu acho que a eleição de 2008 provou que isso não é suficiente. Pinheiro foi um candidato com os mesmos problemas, talvez com um pouco mais de apoio do governador. O problema não é pessoal de Pelegrino, isso é um problema do PT. A campanha de Pinheiro foi uma campanha recuada em 2008. João Henrique, um prefeito conhecido por se mostrar frágil diante de pressões, durante a campanha virou o jogo, ganhou espáduas largas e chegou a meter o dedo na cara do adversário, inflado por obras, inflado por recursos, com apoio do PMDB, de Geddel Vieira Lima. Até a reta final, quando o governador resolveu partir para o pau, o que assistimos foi um PMDB querendo cuidar da eleição e depois discutir o resto e o PT preocupado com a governabilidade estadual. Aí é difícil, não é?

Tribuna – Acredita que o apoio do prefeito João Henrique vai ser decisivo no processo eleitoral?
Dantas – Para o bem ou para o mal? Para quem vai ganhar ou quem vai perder?  (risos). Eu não sei. João Henrique, a essa altura, deve estar pensando em como retomar sua carreira de deputado e depois esperar para ver o que acontece. A ilusão de Pelegrino é a de que João Henrique fique meio escondido e não se trate muito desse assunto. Agora, como esconder João Henrique, depois de passar oito anos na prefeitura? Só se a pretensão de Pelegrino é repetir o que fez Pinheiro. Qual era a campanha de Pinheiro? Lula, Lula, Lula, PT, Lula, PT... Esse tipo de discurso que envolve ‘Não, nós somos amigos do governador; nós somos amigos da presidente da República; com Dilma, Wagner e Pelegrino nós vamos...’. Então, é isso. Se for esta pobreza, é a única maneira que tem de João Henrique não aparecer. Porque se entrar a questão da cidade claramente, o prefeito vai ter que aparecer. E aí, como é? Ele vai defender a gestão?

Tribuna – Então teremos problemas, já que todo mundo participou da gestão...
Dantas – O grande problema de João Henrique de repente vira quase um álibi, um salvo conduto para ele. Se o grande problema, que é a sua oscilação política, sua instabilidade, termina se transformando numa proteção, já que todo mundo teve, em algum momento, uma ligação. E aí basta que o adversário mostre isso para neutralizar os ataques. É por isso que uma questão dessa só pode ser enfrentada politicamente com uma mobilização de forças, de ideias, de recursos e de proposições que tenham a cidade como foco. Isso naturalmente dá o tom de oposição a uma candidatura, que não precisa ser previamente de oposição.

Tribuna – Então todos têm culpa?
Dantas – O problema é que está havendo um processo de desestruturação administrativa que tem repercussão, e isso tem a ver com estabilidade política. As pessoas não percebem isso facilmente, mas não é brincadeira. São 63 secretários. De 2005 até agora, a prefeitura teve entre 11 e 15 secretarias. Por elas passaram 63 secretários. A média de permanência nas pastas no primeiro mandato do prefeito foi de 18 meses. No segundo, desceu para 15. Ou seja, a média que um secretário passa na Prefeitura de Salvador é de um ano e três meses. Há um processo de descontinuidade administrativa nisso aí que afeta a instituição, afeta a capacidade técnica instalada. E, com isso, a prefeitura perde. Recuperar o caráter público, a máquina governamental da cidade, é o problema.

Tribuna – Há especulações de que o prefeito possa renunciar ao mandato para tentar formar uma bancada ampla na Câmara. Acredita que isso é possível?
Dantas – Olha, de João Henrique espera-se qualquer coisa. Na prática, já tem algum tempo que a gestão cotidiana do eleitor está terceirizada politicamente. Ou seja, a entrada de João Henrique no PP foi negociada de maneira que hoje o deputado federal licenciado João Leão é o prefeito de fato. É e será enquanto interessar a João Henrique estar fora. Também é possível que a qualquer momento o prefeito resolva que vai assumir de novo, mas essa renúncia do ponto de vista administrativo já existe há algum tempo. Agora, a possibilidade de ele deixar o cargo para ser candidato a vereador depende das relações dele com seu vice. Deixar o cargo significa a Prefeitura de Salvador ser dirigida por Edvaldo Brito (PTB), que é um nome também que, vai e volta, se cogita. Mas não me parece que isso seja algo muito fácil de ser praticado.

Tribuna – Como o senhor avalia a criação do PSD? É uma coisa benéfica?
Dantas – Em primeiro lugar, eu acho que o PSD nasce nacionalmente com uma dupla face. De um lado, é uma resposta a uma situação paulista. Por outro lado, o PSD é um partido que vai ao encontro de um objetivo do próprio governo federal, de ampliar sua base e de não ficar refém do PMDB. A criação de um outro partido que tem condição de, na hipótese de um desentendimento com o PMDB, ter alternativa. Ou, então, um partido que se aproxima para servir de pressão sobre o PMDB. No caso da Bahia, o governo do estado está com a seguinte questão: há uma parte da elite municipal da Bahia órfã pelo insucesso do DEM e pela incapacidade eleitoral que Geddel demonstrou em 2010. Por outro lado, Otto Alencar precisava de um espaço político, já que não podia continuar dentro do mesmo partido com Leão e Negromonte. Então, você junta essas duas coisas e oferece ao governo a possibilidade de construir o que Wagner quer: uma base de apoio que lhe permita pensar em outros voos para fora da Bahia. Por isso ele está pensando esse negócio: ‘Vou sair para federal porque eu consigo desimpedir o caminho do Senado para poder fazer uma aliança’. É muito cedo para dizer se o PSD é um partido que terá sustentabilidade para além de 2014.

Tribuna – E o PSD nas próximas eleições municipais?
Dantas – O PSD vai fazer o quê? Terminar o serviço que Geddel (Vieira Lima) fez entre 2006 e 2008, pegando aqueles prefeitos do DEM. Acho que aí vai ser difícil você enxergar nas eleições de 2012 um desempenho das forças do chamado campo carlista equivalente ao que se viu em 2008. A tendência é essa. Acho que Geddel, nesse ponto de vista, está mais bem situado do que as forças do DEM. Agora, outra coisa é achar que ele pode ter força para se tornar uma alternativa de poder no estado. Como as coisas estão, é mais provável que a disputa se dê a partir da divisão do campo governista do que propriamente pela emergência de algum desses partidos de oposição. Eu acho que Wagner está tentando acomodar todo mundo, o apetite é muito grande. Então, você tem Leão e Negromonte, você tem Otto Alencar e tem Marcelo Nilo, três neófitos. Você imaginar que isso tudo será mantido junto em 2014 é complicado.

Tribuna – O DEM corre o risco de ficar ainda mais fragilizado?
Dantas – Vamos por partes. O que foi que aconteceu em 2010 no campo do DEM? ACM Neto resolveu fazer carreira solo. O primeiro sintoma disso foi ACM Júnior não aceitar não ser candidato e obrigar Paulo Souto a buscar Aleluia para colocar na chapa do Senado. Quer dizer, um deputado federal destacado, um quadro político precioso, teve que ser colocado numa eleição quase perdida. A campanha foi à base do ‘salve-se quem puder’. O deputado ACM Neto fez dobradinhas heterodoxas pelo estado inteiro com candidatos a deputado estadual que não tinham nada a ver com a tradição do seu grupo, arrombou redutos de candidatos carlistas tradicionais. Quadros como Gaban e como Heraldo Rocha perderam a eleição. O que é que ACM Neto obtém com isso? Acabou de tirar o que restava de chama. Era Paulo Souto com aquela outra ala e com isso ele passa a ser a referência principal do DEM. É aquele tipo de estratégia que, para dominar o partido, ele enfraquece tanto o partido que depois corre o risco de virar um Jutahy Magalhães (PSDB), um cara que se elege deputado sempre, fica com o espólio na mão. Eu acho que esse é o grande problema. No meu modo de ver, pode ser que os fatos eleitorais depois me desmintam, mas eu acho que isso foi um erro de estratégia. Foi um equívoco que faz com que hoje essa massa de prefeitos que o DEM nas alianças com o PP e PR pelo interior ainda conseguiram eleger em 2008...
Colaboraram: Fernanda Chagas e Romulo Faro
Publicada: 17/10/2011 00:58| Atualizada: 17/10/2011 00:38 

Nenhum comentário:

Postar um comentário