sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Projeto de educação para superdotados

Waldir Santos - Advogado da União e idealizador do Projeto Babunamô



 
Bahia Notícias - Existe alguma legislação que prevê recursos para pessoas superdotadas no Brasil?
Waldir Santos - O que existe, na verdade, é uma visível redução do trabalho feito em torno desse assunto, com a triste previsão de desaparecimento do pouco que era feito em torno do assunto. Recentemente o governo federal extinguiu, através do decreto 7480/2011, a Secretaria Nacional de Educação Especial (SEESP), surpreendendo a comunidade científica e os setores diretamente interessados no assunto, e isso sem qualquer discussão. Há vários anos que venho dizendo que não acredito em políticas públicas para o setor, e a extinção do órgão que tratava desta matéria fez com que o pouco trabalho que era feito quase desaparecesse. O governo brasileiro repassa aos estados o trabalho a ser feito com o superdotados, e isso não é bem organizado.Há estados pequenos com dezenas de servidores designados para a atividade, e outros bem maiores onde não há duas dezenas de alunos atendidos. Em alguns estados sequer há algo realmente sendo feito. O governo de Pernambuco, quando o projeto foi instituído nos outros estados, não aceitou. O estado de São Paulo chegou a recusar uma oferta de uma instituição, Ismart (Instituto Social Para Motivar, Apoiar e Reconhecer Talentos), que realiza um trabalho em torno disso sem nenhum ônus para o estado, e o governo de São Paulo recusou o trabalho afirmando que não havia pessoa superdotadas no estado de São Paulo, dizendo que todos os alunos “eram igualmente muito inteligentes”. Essa foi a respostado então secretário Gabriel Chalita, que foi muito criticado pela imprensa e pela comunidade científica por isso. Em razão disso, o instituto ISMART se mudou para o Rio de Janeiro e hoje realiza, também, seus trabalhos em Fortaleza.
 
BN - Como o senhor acha que o governo federal pode melhorar o tratamento dispensado aos superdotados?
WS - Isso é muito simples. Basta cumprir a legislaçãoexcelente que temos, recriar um órgão que coordene, estimule e oriente as ações dos estados e municípios, mas precisa ser dirigido por pessoas comprometidas com a causa, e temos centenas de especialistas para isso em nosso País. Infelizmente os cargos são vistos como mero espaço para nomeação de pessoas. Existe uma disposição na LDB que manda que seja dado tratamento diferenciado para atender as necessidades, não para constituir privilégios para as pessoas que tenham alta capacidade.  É bom chamara atenção para o fato que o uso do termo “superdotado” acaba gerando um mal entendido em torno do assunto, porque já existe uma conceituação popular em torno desse tema. Então eu acho mais apropriado, embora não seja o preferido pelos pesquisadores, referir essas pessoas como pessoas com alto potencial de aprendizado ou alto potencial cognitivo. E bastava o governo possibilitar a essas pessoas o desenvolvimento de seu talento, e isso não é feito, porque as crianças, com o sistema de ensino que se tem hoje, quando manifestam algum sintoma dessa alta capacidade, desse potencial acima da média, além da natural hostilidade que encontram em alguns colegas, são tidas como mal comportadas, endiabradas, questionadoras e acabam alijadas desse processo de aprendizado, abandonando a escola e muitas vezes ingressando na criminalidade, como já foi dito algumas vezes em textos do pesquisador Gilberto Dimenstein. Lá eles encontram resultados para a sua inteligência, criatividade e capacidade de liderança, mas morrem cedo nas disputas por espaço entre quadrilhas. O mais grave e fácil de ser corrigido é despreparo do professorado pra lidar com a condição dessas pessoas.Repetitivamente os professores e alunos são orientados a lidar com as pessoas com deficiência, e o outro grupo, que a lei abrange da mesma forma, não tem o devido respeito. Vi em um seminário aqui na Bahia uma professora chorar e se declarar frustrada, e dizer “quantas vidas, ao longo de 30 anos de sala de aula, eu destruí, por não saber essas coisas básicas que estou aprendendo agora”.
 
BN - Em uma visão geral, como você avalia a situação atual do tratamento dispensado pelas entidades estatais a pessoas com essa condição?
WS - O que existe em todos os estados, à exceção de Pernambuco, que é feito pela prefeitura de Recife, é um núcleo de apoio em atividades de altas habilidades e superdotacao (NAAH/S). Esse núcleo desenvolve o trabalho em torno de um conceito desenvolvido por um pesquisador americano chamado Joseph Renzulli, uma linha de identificação que não atende a necessidade de abrangência que o descaso histórico nos impõe. Esse sistema, conhecido como “Modelo dos três anéis” funciona bem em países desenvolvidos e com outro nível de qualidade na educação. O sistema que eles utilizam, que é um sistema politicamente agradável, mas inapropriado para o Brasil,é interessante pra sociedade selecionar essas pessoas em avaliações subjetivas, com base em opiniões, e não como a França, Itália e EUA  sempre fizeram, baseado em avaliações objetivas e de psicometria.Uma professoraintegrante de um NAAH/S, e que tambémque faz parte do grupo de discussões Babunamô, desabafou uma vez dizendo que os atendidos pelo núcleo eram os filhos das amigas da coordenadora, que assim evitavam gastos com curso de Inglês, balé, música e natação. Hoje, por conta da má interpretação que foi dada aqui no Brasil à teoria das múltiplas inteligências, de Howard Gardner, essas pessoas perdem a oportunidade de aproveitar melhor o conhecimento que foi inicialmente sistematizadopor Alfred Binet há mais de 100 anos, e foi desenvolvido e ampliado por diversos pesquisadores de outros Países. O que existe hoje nesses núcleos, efetivamente, são muitas pessoas que não precisam desse tratamento, enquanto os que precisam continuam fora,abandonando as escolas e faculdades, ou saltando de curso em curso, por falta de orientação sobre sua condição.
 
BN - O senhor vai ao Rio de Janeiro defender seu projeto intitulado Babunamô. Duas perguntas: Porque Babunamô e o que ele prevê?
WS - O batismo foi feitopelo psiquiatra baiano Daniel Minahim, voluntário do projeto, um dos que nos dão suporte técnico, e que hoje está fazendo mestrado em inteligência na USP. Precisávamos criar uma marca para o projeto e aproveitamos para homenagear o sambista Riachão, um gênio popular, que mesmo sem o merecido apoio venceu e mostrou sua arte. Babunamô é a junção das sílabas iniciais da expressão “baiano burro nasce morto”, popularizada na música de Riachão. Estamos na fase de divulgação da ideia e busca de apoiadores e voluntários, apesar de já termos identificado formalmente alguns jovens. O funcionamento do projeto começa com a identificação das pessoas através da aplicação de testes e realização de observação por profissionais especializados, acerca das características dessas pessoas. Uma vez identificadas aspessoas com potencial destacado,elas passam, havendo manifestação de interesse, a ser acompanhadas e atendidas em suas necessidades que se relacionem que a condição, como orientação pedagógica e profissional, acompanhamento psicológico, inserção cultural, qualificação por meio de cursos, oficinas e participação em eventos em suas áreas de interesse, acompanhamento médico, tudo isso sempre com uma presença forte da família.Os poucos trabalhos feitos até hoje se encerram com a conclusão do período escolar, e a pessoa é lançada na vida sem apoios. Assim raramente se consegue o sucesso possível, e quem mais perde é a sociedade.
 

 
BN - Esse projeto tem um público alvo? Pessoas mais carentes, ou não há distinção?
WS - Não há distinção. Vamos iniciar por escolas públicas, priorizando aquelas em que a direção manifestar interesse, mas se houver algum tipo de dificuldade iniciaremos por escolas privadas em bairros mais carentes.Já temos convites e esperamos outros. Vale lembrar que não há ônus algum para a escola, já que nossa equipe é voluntária. E, independentemente desse público, que vamos procurar, qualquer pessoa que queira ingressar no projeto, como possíveis identificados ou voluntários para execução do trabalho, serão bem vindas. Temos um grupo no facebook e outro no yahoogrupos, uma conta no twitter, e o e-mail ébabunamo@gmail.com. 
 
BN - Existem parlamentares que apóiam esse projeto?
WS - Concretamente não, mas não creio que haja dificuldade nisso. Existem alguns parlamentares que trocam ideias com a gente e conversam muito sobre esse assunto. Mario Brandão, um integrante do grupo e que mora no Rio de Janeiro, já conversou com alguns deputados e encontrou uma reação muito empolgada. Pode ser que daí nasçam bons frutos. Quando o assunto é apresentado o interesse é muito grande. Pelo menos inicialmente todos se posicionam assim. Eu, sinceramente, não acredito na solução desses problemas com atitudes do estado. Eu só acredito na iniciativa pessoal e privada como fomentadora e provedora de iniciativas nessa área.A história brasileira em torno do assunto mostra isso.
 
BN - Como o senhor avalia o fato do Brasil ter ficado para trás e não conseguir segurar os seus talentos?
WS - A causa disso é a falta de políticas adequadas, apoio e cumprimento da lei. Existe um estímulo à produção intelectual muito maior em outros países, com critérios rigorosos baseados no potencial, naquilo que pode ser revertido para a ciência e para a humanidade, e não com base na necessidade do cidadão que será atendido. Aqui no Brasil o governo se limita a disponibilizar bolsas de ensino ou bolsas de pesquisa. As pessoas que melhor poderiam utilizar essas bolsas nem sempre têm acesso. Até porque muitas delas terminam abandonando as escolas antes mesmo de chegar num momento adequado para isso.
 
BN - O senhor acha que há como burlar um teste de QI?
WS - Existe a possibilidade, sim. Frauda-se painel eletrônico de votação, resultado de loteria, vestibular, concurso, eleição, festival de música, disputa em escolas de samba, por que os testes de QI ficariam de fora?Se não houver um cuidado com a estruturação do gabarito, ou se for facilitado o acesso ao plano de respostas, existe a possibilidade de burla sim. No Babunamô somente fazem testes de QI as pessoas pré-selecionadas por dois testes orientativos, também objetivos, não por temermos alguma trapaça, mas sim para otimizarmos os poucos recursos disponibilizados pelos voluntários. Testes de QI não são baratos. Mas eu não vejo sentido num a pessoa fazer isso pois não haveria retorno forjar uma situação dessas, seria como alguém adulterar uma balança pra dizer que está magra. No Babunamô, fazendo um paralelo, ela receberia remédio para engordar, e naturalmente recusaria. Alguém que mente em relação ao tamanho do pé vai receber sapatos apertados, e portanto inúteis.
 
BN - Quanto é o QI médio de uma pessoa normal?
WS - As questões técnicas no Babunamô são tratadas pelas pessoas especializadas. O nosso psicólogo responsável, que dá suporte a esse trabalho, é Ricardo Mendes, que mora em Brasília. Em breve ele virá a Salvador para duas palestras do Babunamô. Alguns estudos divulgados há algum tempo por meio de reportagens da Veja, Isto É, Época, Galileu e Superinteressante apontam que o QI médio do brasileiro é de 87, mas isso vai depender de fatores como desvio padrão e metodologia. Os testes validados para cada região tomam como referência a média de 100, ficando a maioria da população local com QI entre 90 e 110. Não existe isso de comparar o resultado de testes entre pessoas diferentes sem saber a metodologia utilizada pelo psicólogo que aplicou o exame.
 
BN - O senhor conhece exemplos de pessoas superdotadas desperdiçados?
WS - Todos nós conhecemos. Faz parte da vida. Segundo Gilberto Dimenstein, colunista da Folha de São Paulo, a maioria das lideranças criminosas é exercida por pessoas que na escola deixaram de ser identificadas como pessoas com alto potencial intelectual, foram classificadas como questionadoras e inadaptadas, e o crime as cooptou, pois se desinteressaram na atividade escolar que lhes era entediante. Na atividade criminosa essas pessoas encontraram o sucesso enquanto poderiam fazer algo em prol da comunidade. Nos temos na Bahia vários exemplos perceptíveis de pessoas que utilizam muito bem sua inteligência diferenciada, como Mitermayer Reis, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz, Miguel Nicolélis, que está realizando um trabalho em torno do exoesqueleto e vai revolucionar a questão da mobilidade de pessoas com deficiência, Thales de Azevedo que foi um grande pesquisador e produtor de conhecimento em diversos campos,além de vários outros exemplos facilmente identificáveis, como Milton Santos e Elsimar Coutinho. Ao lado disso, temos milhares de pessoas que não ganharam a mesma notoriedade mastambém não são pessoas que necessariamente vão entrar na marginalidade. Toda cidade do interior tem alguns superdotados, normalmente no interior eles são bem conhecidos da comunidade, e não necessariamente são considerados assim. As pessoas que estão lendo essas respostas vão lembrar de alguém que é considerado esquisito, mal compreendido, “meio maluco” até,na percepção popular, mas que na verdade é uma pessoa intelectualmente acima da média e teve seu potencial desperdiçado,por ignorância própria e das pessoas à sua volta.Citar alguns que eu conheço não seria uma boa exposição para eles, devido ao desconhecimento generalizado em torno do tema.
 
BN - A iniciativa privada tem atuado para melhorar essa atuação governamental?
WS - Pontualmente sim, mas os grandes empresários precisam fazer isso de forma articulada. Produção científica gera lucro para eles e riqueza para a nação. Podemos demorar algumas décadas para as entidades representativas do empresariado perceberem que elas precisam ocupar essa lacuna na responsabilidade do governo. Nenhum governo tem coragem de criar um centro de excelência para aqueles que a comunidade vê como privilegiados por Deus, e que representam uma minoria muito ínfima, enquanto existem escolas sem giz, sem merenda, sem professor e ser cadeira.  Aqui no Brasil houve o início de um excelente trabalho, mas que foi interrompido, em Pojuca, pela Fundação Jose Carvalho, na década de 80. Foi contratada a professora Zenita Guenther, que é uma das maiores autoridades do mundo no assunto, e a fundação começou a realizar um trabalho fantástico na área, mas que infelizmente não teve continuidade, apesar de trazer pessoas de diversas partes do país. Hoje existem algumas poucas iniciativas, com o Instituto ISMART, que funciona no Rio e em Fortaleza, e o Instituto Rogério Steinberg, que possui grande enfoque nos talentos artísticos, e não no acadêmico. No setor público temos os núcleos de altas habilidades, mas que não funcionam bem. De todos esses, o ISMART é que realiza o melhor trabalho apesar de ser limitado a poucas pessoas. Ele mescla o resultado em testes psicométricos com o rendimento escolare disponibiliza bolsas nos melhores colégios.Outra ressalva é que o rendimento escolar depende de dedicação, ambientação do aluno, ou seja, é influenciado por questões externas. Esse apoio deveria ser natural para todos os excelentes alunos. O nosso trabalho é pautado na identificação da capacidade original, para dar condições de desenvolvimento para a pessoa, gerando benefícios para a coletividade. Até um analfabeto pode ser superdotado, e mudar seu destino a partir dessa descoberta.
 
BN - Voltando a sua viagem ao Rio de Janeiro. O que o senhor está buscando conseguir para o projeto lá?
WS - Em função de ter discutido esse assunto em 2006 em alguns eventos em São Paulo, e em 2007 ter coordenado um seminário sobre altas habilidades e superdotaçãoaqui em Salvador, participei da organização de um evento semelhante no Instituto Anísio Teixeira. Isso abriu possibilidades para ampliar as discussões, e temos tratado desse assuntocom vários especialistas. Em função disso, fui convidado pelaAssociação Internacional MENSA, que completa agora 65 anos, e vai realizar um evento chamado de Brilliant Day no mundo inteiro, em 100. O evento no Rio de Janeiro, que integrará esse complexo de eventos, acolherá minha palestra tratando sobre o projeto Babunamô. Eu busco, lá no Rio de Janeiro, mais pessoas interessadas do que já existem para que se envolvamno assunto, na produção intelectual em torno do assunto, e mais ideias para aperfeiçoaro método. Aqui na Bahia, em 2005, fizemos testes em cidades do interior, com prévia solicitação às escolas para que selecionassem alunos com as características que elencamos, e o resultado foi muito satisfatório. Em Santo Antonio de Jesus foi feita a identificação de quatro pessoas acima da média, e uma de Ubaitaba. A gente pretende dar continuidade a esse evento do Rio de Janeiro, com visibilidade da imprensa, e esperamos que mais pessoas se agreguem. Somos um projeto que não vai buscar um financiamento público, então buscamos contatos com empresas e todas que contatamos estão interessadas em providenciar bolsas de estudos. O trabalho todo será feito por voluntariado e o espaço é obtido por cessão, então é uma coisa feita de forma mais amadorística para que não sejamos conhecidos como pessoas que criam ONGs para desviar dinheiro público ou enganar investidores privados. Se dessa maneira não funcionar, temos dois caminhos: ou desistimos ou buscamos financiamento privado. Mas, nesse ponto, já teremos documentado os resultados e sua importância para a sociedade, e isso pode ter sequência com outro grupo, alguma entidade privada, ou quem sabe algum administrador público que desperte para isso.
 
BN - O senhor tem alguma previsão de tempo para o projeto começar?
WS - Não, porque as pessoas envolvidas no projeto disponibilizam o tempo de acordo com suas possibilidades pessoais, e muitas delas residem fora da Bahia. Espero que essa entrevista sirva pra atrair novas pessoas. Ainda que pudéssemos contratar uma equipe, encontraríamos dificuldades em encontrar pessoas com a qualificação adequada à linha que pretendemos desenvolver, já que predomina uma linha técnicabaseada na subjetividade da avaliação, o que limita muito o campo de abrangência e a própria confiabilidade dos resultados. Os seguidores das linhas mais usadas no Brasil submetem formulários aos pais, professores e amigos dos alunos, em lugar de aplicarem testes objetivos e cientificamente comprovados, usados pelas principais universidades do mundo. Se depois da visibilidade da proposta aparecerem várias pessoas que queiram disponibilizar um tempo, mínimo que seja, passaremos a concretizar ações amanhã. Por enquanto temos realizado palestras informativas em escolas e reuniões na sede do grupo Socioambiental Germen, no pelourinho, que abraçou o projeto.

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