Escrito por André Fraga*
Domingo 11 de março completa um ano de um dos maiores acidentes nucleares da História, quando um terremoto seguido por um tsunami provocou um vazamento radioativo de nível 4, o pior na escala desde a tragédia de Chernobyl, obrigando o deslocamento de mais de 200 mil japoneses, a manutenção de outros 160 mil sob quarentena e a contaminação de tudo em um raio de quilômetros. Contaminação que perdurará por gerações.
Logo após a hecatombe nuclear o mundo retomou o debate sobre sua matriz energética e a necessidade de fazer uso de uma forma de energia perigosa: desde a extração, até o transporte e descarte do material radioativo, a população está exposta aos riscos de doenças fatais. O processo de geração de energia nuclear possui várias etapas. O minério radioativo passa por uma série de transformações em sete cidades, de três países, até se transformar em combustível para a usina nuclear. Depois de utilizado, transforma-se em lixo radioativo. Em todas essas etapas, há a possibilidade de ocorrer um acidente, contaminando água, solo, ar, além de pessoas e animais, e ainda não foi encontrado um destino seguro e permanente para esse lixo. A exposição ao material radioativo pode gerar nos seres humanos o desenvolvimento de câncer, má formação fetal, aborto, falência do sistema nervoso central, síndrome gastrointestinal, entre outras doenças.
Aqui no Brasil, o programa nuclear segue a todo vapor. O governo alemão, o mesmo que anunciou o fechamento de suas usinas nucleares até 2022 logo após o acidente no Japão, será fiador de um empréstimo de 1,3 bilhão de euros para a construção de Angra 3. O programa nuclear brasileiro é uma caixa preta ligada as Forças Armadas, onde não há fiscalização nem transparência. Acidentes ocorrem rotineiramente e são tratados de forma sigilosa colocando toda a população em risco. Enquanto no Japão centros de controle a acompanhamentos de catástrofe estão a postos para qualquer tipo de emergência, no Brasil os planos nunca foram apresentados e nossas usinas estão instaladas em um lugar que os índios chamavam de pedra podre. A possibilidade de uma catástrofe como Fukushima no Brasil certamente teria consequências muito mais devastadoras.
Um dos fatos mais preocupantes do Programa Nuclear Brasileiro é o farto de que o setor que insiste em expandir e que lida com algo muito perigoso é o mesmo que opera, atua, e fiscaliza atividades ilegais e coibir infrações. Transparência é uma palavra que eles a Comissão de Energia Nuclear não conhece.
A Bahia não está imune ao risco nuclear. Em Caetité o subsolo já está contaminado, por conta da mineração de urânio das Indústrias Nucleares do Brasil (INB), e ninguém assume a responsabilidade em um eterno jogo de empurra. Recentemente tentou-se insistentemente trazer uma usina nuclear para as margens do Rio São Francisco no lado baiano. Em 2004, por duas vezes, um navio carregado de urânio enriquecido da INB, entrou na Baía de Todos os Santos sem autorização dos órgãos competentes, com o objetivo de economizar no valor do frete. O urânio circula anônima e livremente pelas ruas de Salvador, colocando em risco toda a população da cidade.
Fukushima reacendeu o debate, de uma forma desnecessária, mas trouxe de volta o que teimavam em esquecer: energia nuclear é cara e perigosa. The Economist, uma das revistas mais respeitadas do mundo, traz um artigo interessante essa semana: o sonho que falhou e mostra como a energia nuclear já não se encaixa em um modelo civilizatório pensado nesse século. Precisamos pensar com a cabeça no século 21 e abandonarmos de vez tecnologias ultrapassadas, arriscadas e onerosas. Combinar uma matriz energética limpa e renovável e a racionalização do consumo poderá fazer do Brasil e da Bahia ponta de lança de um novo paradigma energético. Com tanto sol e vento pra que insistir em urânio e petróleo?
*Engenheiro Ambiental e ex-presidente do DCE FTC
Nenhum comentário:
Postar um comentário